sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Um clique na floresta

Ainda antes de escrever sobre Defunto e a agência de relacionamento do Digníssimo Cícero Alves, lá do Ceará, vamos a mais uma boa ideia de um conterrâneo, o bebedourense Michelângelo Stamato. O comerciante de 35 anos, três anos e meio atrás, decidiu começar a fotografar as aves existentes na zona urbana da cidade, a exemplo do que havia sido feito por outros observadores em São Paulo e que foram parar nas páginas de uma revista que o inspirou.

Michelângelo Stamato e a câmera, presente de um irmão, na Floresta de Bebedouro.

De posse de uma câmera profissional novinha em folha, presente de um de seus irmãos, ele passou a frequentar semanalmente as áreas verdes de Bebedouro, fazer seus cliques, e, posteriormente, pesquisar na internet e em livros a espécie de cada pássaro alvo de suas lentes. E a melhor ideia foi fornecer as imagens para um projeto educacional mantido pelo governo do Estado dentro da Floresta Estadual de Bebedouro.

A gestora da floresta, Alessandra Pinheiro Fernandes, está muito satisfeita com as fotos. "Vemos as aves no cotidiano, mas nem sempre conseguimos saber do que se trata. Com as fotos fica muito mais fácil", diz, acrescentando que em breve serão produzidos banners com as imagens para serem espalhados pelo local. Hoje em dia, as crianças atendidas pelo programa vêem as aves no computador e depois saem para procurá-las na Floresta.

Mesmo durante a entrevista, Michelângelo não para de observar.

Das 230 espécies que Michelângelo afirma ter visto em Bebedouro, 214 ele conseguiu fotografar. Faltou câmera ou um pouco mais de tempo para registrar as outras 16. E das 214 registradas, 201 já tiveram a identidade comprovada e compartilhada no WikiAves, site especializado na identificação das espécies.

Futuramente, ele pretende organizar um guia para divulgar a diversidade encontrada em Bebedouro e alertar a população sobre os riscos que as queimadas, constantes especialmente na época do calor, representam para a fauna local. Segundo ele, animais que antes eram vistos aos montes em algumas matas, hoje já não aparecem mais.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Vó Maria e as rendeiras de Ponta Negra

Chegando ao Rio Grande do Norte, o Terra das Boas Ideias encontrou na Vila de Ponta Negra, em Natal, um grupo formado por senhoras muito simpáticas e jovens donas de casa, que teciam renda no terreiro de uma casa, sede de um projeto que visa estimular a aprendizagem e a comercialização do artesanato. E na liderança desse grupo, dona Maria de Lourdes de Lima, que mesmo muito tempo antes de alcançar os 70 anos que tem hoje já era chamada de Vó Maria.

Grupo, tendo Vó Maria ao fundo, passa tarde fazendo renda em Ponta Negra. 

As mais jovens estavam ali para aprender a renda de bilros com ela. Outras, já experientes na arte, só faziam rechear o grupo e a conversa, entre um entrelaçar e outro. "Vem gente de todo quanto é lado aprender", diz uma das veteranas.

Vó Maria aprendeu a rendar aos 7 anos, por incentivo da mãe, e tentou transmitir o ensinamento para os filhos. Mas a trabalhosa renda é hoje pouco valorizada e ninguém quis saber de levar a tradição adiante. "Se for viver disso, morre de fome", garante a rendeira. Somente os que querem fazer peças para uso próprio ou desejam ver correr o tempo é que se dispõem a aprender, como é o caso de parte das alunas da Vó.

Vó Maria ensina uma de suas alunas.

Ela, porém, não para de rendar. "Já aprendi a fazer muita coisa na vida, mas não interessa. O que interessa é mesmo a minha almofada, a minha renda, pra lá e pra cá, pra lá e pra cá", diz dona Maria, cantarolando ao ritmo do movimento das mãos que manuseiam os bilros, ao tecer uma renda cor-de-rosa.

A renda de bilros é chamada assim porque utiliza pequenas peças de madeira torneada que recebem o nome de bilros. Nelas são enroladas as linhas que vão formar os desenhos sobre uma almofada dura em formato de cilindro chamada rebolo.

A renda em produção, os bilros e almofada cilíndrica.

Em Ponta Negra, além das componentes desse grupo, outras poucas rendeiras perpetuam a arte. Elas também são encontradas em outras partes do nordeste, porém sempre em pequena quantidade.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Um poeta e sua casa na Roliúde Nordestina

Depois de desbravar Juazeiro do Norte, conhecer Crato, terra de padre Cícero, e desmistificar Defunto (sobre o qual ainda vamos postar algo bem interessante por aqui), o Terra das Boas Ideias, na companhia da Trupe Artemanha de teatro de São Paulo, deixou o Ceará no dia 9 de janeiro e seguiu para a Paraíba. A parada mais importante - além das feitas para comprar redes e comer tapioca na beira da estrada - foi em Cabaceiras, onde nossa Kombi adentrou já depois da 1 hora do dia 10.

Após passar o fim de madrugada em uma pousada, a Cariri, no centro, a equipe seguiu pelas ruas da Roliúde Nordestina, como denomina um letreiro logo na entrada da cidade. Mais de 20 filmes foram rodados no local, como "O Auto da Compadecida" (2000) e "Cinema, Aspirinas e Urubus" (2005), sem falar em trechos de novelas, como mais recentemente, da trama das 19h, "Aquele Beijo", em cenas do encontro do personagem de Diogo Vilela com sua suposta irmã Damiana.

A inscrição na entrada da cidade, captada na chegada do grupo a Cabaceiras.
E durante as andanças, um encontro ficou registrado com o poeta Paulinho de Cabaceiras, que também foi personagem de filme, um documentário de 2007, que leva o nome do município. Primeiro ele conversou com o grupo sentado mesmo na calçada da pousada e, posteriormente, em sua casa, uma moradia simples, mas muito charmosa, em razão dos requintes de sua decoração.

Detalhes de cortina e aparador na sala do poeta paraibano.

A casa é utilizada pelo poeta apenas como refúgio, para compor sua obra.

Atual diretor de Cultura do município, Paulinho falou sobre sua rotina escrevendo cordéis, na casa que lhe serve de refúgio - a maior parte de seu tempo ele passa em um sítio, onde mora sua mãe. Comentou orgulhoso ser o primeiro poeta paraibano e segundo brasileiro a ter cordéis publicados em braile. Analisou a política brasileira, bem como fatos históricos que compuseram o que é hoje sua Cabaceiras. E contou causos, declamou poemas e citou poetas paraibanos.

Entre eles, Pinto do Monteiro, Severino Lourenço da Silva Pinto de nascimento, que morreu em 1990, aos 94 anos. Poeta popular, compositor e cantor nascido na Paraíba, que escreveu:

"Esta palavra saudade
conheço desde criança
saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança
saudade só é saudade
quando morre a esperança".

Paulinho de Cabaceiras também citou João Paraibano, este vivo, poeta e repentista que escreveu:

"Vi o fantasma da seca
Ser transportado numa rede
Vi o açude secando
Com três rachões na parede
E as abelhas no velório
Da flor que morreu de sede".

"Nem Castro Alves escreveu isso, nem Manoel Bandeira, nem filho da p... nenhum", se exalta Paulinho diante das rimas de tanta beleza. Para ele, Pinto do Monteiro e João Paraibano são gênios da improvisação e dos versos bem medidos, que os inspiram em seu trabalho.

Paulinho de Cabaceiras em sua casa, no centro da Roliúde Nordestina.

De autoria dele, muitos cordéis dispostos em uma parede do quarto que lhe serve de QG. Alguns deles publicados em jornais da cidade, como foi o caso da Gazeta de Cabaceiras, um informativo da prefeitura. Para o primeiro exemplar do veículo, editado em 2009, ele escreveu:

Vou-me embora para o passado

"(...)
Vou-me embora pra o passado,
Pras terras caririzeiras,
Vou morar em Cabaceiras
Na rua do Velho Mercado.
Vou comprar e vender gado
A "Seu Zé Honorato", a "Zé de Biu",
Vou dançar forró tocado por "Liu"
No "Zinco! e no "Guarani",
Dar risadas com "Paturi"...
E rever a turma do funil.

Com João Crispim eu vou beber cana,
Com "João Preto" vou pescar
E a "Boca da noite" prosear
Com "Seu Chico e Dona Ana".
Todo final de semana,
Vou assistir a retreta,
Ouvir Rosalvo da clarineta
No coreto da pracinha...
Dançar valsa com "Titinha"
E bolero com Mariêta.

No rio cheio de canto a canto,
Vou nadar, remar canoa,
Vou comer peixe, tomar "Chica Boa",
Pescar, sorrir, espantar o meu pranto...
E quando a noite com seu negro manto,
Cobrir o meu torrão caririzeiro,
Vou chamar Paulinho Cordeiro
E "Zé de Cazuza da Prata",
Pra fazer uma serenata
Lá na "Pera do Cruzeiro".

Vou comer as "puxas" de "Mãe Nininha"
Os "sequilhos" de "Seu Mané Marciano"
Ouvir o pandeiro de Floriano
Ritmando uma modinha.
"Talisca" ou "Mãe Neguinha"
Meu terno de linha vai engomar,
Pra elegante eu ir dançar
No baile da Prefeitura,
Vou correr atrás de tanajura
Quando o inverno chegar".

Ao final do bate-papo, a trupe seguiu viagem rumo a Natal, no Rio Grande do Norte.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ambulante fica sem venda, mas comenta o BBB

Ainda há muita coisa para escrever sobre a Expedição Nordeste, mas faço um parêntese aqui para falar da Pauliceia Desvairada, casa de muitos nordestinos, como o que cruzou o meu caminho nesta terça.

Numa tarde chuvosa, que chegou a alagar a capital e cidades do Grande ABC, este nordestino vendia desses utensílios que motorista nunca se sente tentado a comprar a menos que calhe de naquele momento estar precisando. Ele estava numa calçada da Avenida do Estado, nas proximidades do Mercado Municipal, se abrigando dos pingos e respingos debaixo de um viaduto.

Iguais a ele, tantos outros, todos incumbidos de suas vendas, a fim de garantir o pão em casa. Mas ele queria mais que apenas oferecer seus produtos. "Mas geme aquela moça do BBB, hein?", comentou o cidadão puxando papo. Ele se referia ao suposto caso de estupro no programa global, que desde domingo tem agitado as redes sociais e os noticiários, inclusive o Jornal Nacional, que acaba de chamar matéria para o assunto.

"Pois é! Você acha que ela estava desacordada?", pergunto eu. "Tava nada!", responde ele, com um sotaque ao qual estive habituada nos últimos dias. E com um sorriso malicioso, se pôs a concluir o que se passou com a moça depois de uma festa regada a muita bebida. "Ela bebeu demais, rapaz! E estava é gostando".

E o trânsito, apesar de lento, anda, e a conversa acaba por aí. O que no nordeste foi possível durante a expedição com a Trupe Artemanha, de sempre que o assunto rendia poder ficar horas batendo papo na maior tranquilidade, em São Paulo nem sempre é permitido num primeiro encontro como este. Mas quem sabe este blog não reencontra o vendedor mais adiante para comentar o desfecho do escândalo do Big Brother? Na Pauliceia há coisas que são mais difíceis, mas impossíveis já não podemos dizer.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sávio, o pintor e autodidata do sertão cratense

No Dia de Reis, 6 de janeiro, durante a passagem do Terra das Boas Ideias e da Trupe Artemanha pelo Ceará, um jovem se achega a esta blogueira durante apresentações de reisados na Vila Padre Cícero, no município de Crato. Como jornalista - visualizado quase sempre como agente de divulgação de qualquer coisa que exista - é raro de aparecer por lá, o rapaz, esperto, aproveitou a oportunidade para falar de sua arte.

Sávio e duas de suas telas, na porta de casa, em Vila Pe. Cícero.
No meio do percurso, paramos na casa dele, Sávio de Melo Bezerra, de 21 anos, onde sua mãe, dona Terezinha Elias de Melo, havia acabado de receber, em sua sala, a louvação dos mestres populares e seus personagens. "Ele é um artista", se adiantou a mulher ao ver câmera e bloco de notas na mão da blogueira. Encarregou-se logo de mostrar as telas do filho.

Pincelados com tinta a óleo, os quadros de Sávio, com temáticas envolvendo normalmente flores, frutas e animais, são vendidos em Crato por no máximo R$ 30. "Queria caçar um pessoal que entende mais para expor e vender meus trabalhos melhor", diz.

Como da arte ele ainda não consegue viver, Sávio vai tirando uns trocados como professor de inglês.  Ele ensina o que aprendeu sozinho, a partir de muita pesquisa, especialmente nas contracapas dos CDs. "Meus irmãos mais velhos ouviam músicas internacionais e eu acabei gostando", conta. Cobra de R$ 10 a R$ 15 por mês de cada aluno, por duas aulas semanais de reforço escolar.

Sávio afirma querer fazer faculdade de Letras, mas só depois, claro, de terminar o ensino médio. Desistiu no primeiro ano. "Parei por causa de uma matéria, que é a matemática. Falo outras línguas, mas não dou conta da matemática", diz sem cerimônia o jovem, que agora tem como meta aprender o francês, também por conta própria.

Foto: Luciana Quierati

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Todos podem ser beatos do coletivo

Fachada da sede do sítio que abriga a ONG Beatos, em Crato-CE.
Em expedição pelo nordeste, que começou em 3 de janeiro para acompanhar a Trupe Artemanha de Investigação Urbana, esta blogueira ficou acomodada durante cinco dias no sítio da recém-criada ONG Beatos, no município de Crato-CE. A instituição dá seus primeiros passos no intuito de fomentar a cultura, preservando a tradição do local. Dane de Jade, uma estudiosa da cultura cearense e consultora do Sesc, é a fundadora da ONG, sediada no sítio que foram de seus avós paternos. Ela se baseia no extinto movimento Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, no qual padre Cícero esteve envolvido, para alicerçar a ONG.

O Caldeirão foi um movimento liderado pelo beato paraibano José Lourenço, no qual romeiros e imigrantes trabalhavam todos em favor da própria comunidade, que chegou a congregar mais de mil pessoas. Era mantida sob a proteção de padre Cícero e, com o falecimento deste em 1934, acabou sendo invadida e destruída por autoridades da época. Padre Cícero tinha muitos seguidores, mas muitos desafetos também.

O sítio fica em um vale, tendo bastante área verde ao seu redor.
A comunidade se foi, mas o modelo ficou, e Dane quer pautar seu trabalho nele. Alguns encontros foram realizados e os moradores de Crato convidados. Uma primeira estadia de visitantes já ocorreu (justamente acolhendo a Trupe Artemanha). O sítio fica cada dia mais estruturado, com o trabalho do gerente Fernando Silva, um artista que veio do Piauí para conduzir as obras iniciais da ONG. E assim a instituição, nos moldes de um centro cultural, vai ganhando corpo.

Dani está em busca de apoio. Mas ao contrário do dinheiro, a vontade não lhe falta, assim como não faltava aos inúmeros beatos de sua terra. E pensando assim, na ideia de que todos podem ser beatos ou pessoas de boa vontade em favor do coletivo, que sua ONG leva esse nome.

A casa, que foi dos avós da fundadora, mantém seu desenho original.
No vídeo, Dane de Jande e o gerente Fernando contam um pouco mais sobre a Beatos.



Distância entre Crato e Juazeiro do Norte: 13,5 km
Localização da ONG Beatos: Rua Cícero de Souza, 182, Crato-CE, (88) 8824 4513

Reprodução Google Maps.

Fotos e vídeo: Luciana Quierati

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A dança cativante de mestre Carraro

Moradores de Crato observam os passos do mestre Carraro.
Um homem franzino, de fala mansa e jeito acanhado atraiu olhares nas festividades do Dia de Reis, 6 de janeiro, em Vila Padre Cícero, Crato-CE. Ele vestia paramentos vermelhos e azuis, estava coberto por espelhos e carregava pendurados no pescoço fitas coloridas e um apito que a todo o momento o ajudava a dar as coordenadas ao grupo. Ele é mestre Antônio Carraro, do alto de seus quase 80 anos.

O Terra das Boas Ideias separou uma galeria de fotos de mestre Carraro, bem como traz um vídeo que mostra um trecho de sua apresentação. Vale a pena conferir.

Mestre Carraro, à esquerda, durante apresentação.
Mestre dando o comando ao grupo a partir de seu apito, no Dia de Reis de 2012.

A apresentação ocorreu na Vila Padre Cícero, no município de Crato-CE.

Mestre Carraro e seu apito.

Mestre Carraro em dança de espadas em frente a imagem de padre Cícero.

O vídeo de mestre Antônio Carraro dançando no Dia de Reis:



Fotos e vídeo: Luciana Quierati

Mestre Cachoeira e seu pandeiro

Mestre Cachoeira mostra a língua, ato comum dos personagens 'mateus'.
Mestre Cachoeira foi um dos mateus (personagem cômico) a se apresentar no encontro de reisados ocorrido no dia de Reis em Bom Jesus do Horto, Juazeiro do Norte-CE. Ele é um dos mais antigos da região na arte de "brincar".

O reisado é uma dança profano-religiosa com a qual se festeja o período compreendido entre 24 de dezembro e 6 de janeiro – embora haja apresentações pelo Brasil em qualquer época do ano.

Guerreiro defende seu reino (ao fundo) em luta com espadas.

Os grupos de reisado são formados por músicos, cantores e dançarinos, entre eles, uma dupla de mateus. O objetivo é anunciar a chegada do Messias.

Cachoeira e seu pandeiro foram atração no dia 6, mas as marcantes coreografias dos guerreiros defendendo o reinado arrancaram muitos aplausos de moradores e turistas. Veja em dois pequenos vídeos um pouco do que aconteceu por lá.





Fotos e vídeos: Luciana Quierati

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Maneiro-Pau dançada em Vila Padre Cícero

Mestre Cirilo canta e toca seu instrumento durante apresentação do Maneiro-Pau.

O Terra das Boas Ideias deixou o Ceará ontem e agora, exatamente às 17h no horário local, passa por dentro de Campina Grande, na Paraíba. Mas, apesar de a expedição seguir por outros Estados - o destino final é o Rio Grande do Norte -, ainda há muita história para contar sobre a terra de Padre Cícero.

No Dia de Santo Reis, 6 de janeiro, o Sesc do município de Crato, onde nasceu o homem que atraiu uma legião de seguidores, bem como desafetos, promoveu um encontro de reisados. E entre os grupos que se apresentaram esteve o do mestre Cirilo, que mora na Vila Padre Cícero.

A dança do grupo, chamada Maneiro-Pau, é oriunda do cangaço e executada apenas por homens. Eles dançam em roda e portam cacetes, que marcam o ritmo. No vídeo, dá para ter uma ideia do que se trata.

Ao centro da roda, está o mestre Cirilo. E ao final da apresentação, o contagiante seu Cícero, um homem da comunidade que recebeu com toda gentileza a Trupe Artemanha - a qual o TBI está aompanhando nesta expedição -, se achega com toda simplicidade para pedir a opinião dos presentes.



Fotos e vídeo: Luciana Quierati

sábado, 7 de janeiro de 2012

As rimas de Chico Corró

Chico Corró (à frente), na companhia de mestre Cirilo, em Vila Padre Cícero.

Seu Chico Corró é um homem admirado no sertão. Na Vila Padre Cícero, em Crato-CE, onde mora, todos o conhecem e enchem a boca para falar de suas rimas. Mestre Cirilo, seu vizinho e líder do grupo Maneiro-Pau da vila, sabe muitas delas de cor, inclusive as mais antigas, que nem seu Chico se lembra mais.

Chico Corró conta histórias e causos para integrantes da Trupe Artemanha.

No Dia de Reis, ontem, numa roda de amigos compartilhada pela Trupe Artemanha e o Terra das Boas Ideias, ele mostrou sua arte em plena rua. Vale a pena dar uma olhada no vídeo. É bem curtinho:



Fotos e vídeo: Luciana Quierati

Expedição chega ao quarto dia

A expedição pelo sertão nordestino com a Trupe Artemanha chega ao quarto dia, depois de um começo bem intenso, com direito a Dia de Reis, ontem, na terra onde nasceu Padre Cícero, Crato-CE.

As histórias só se multiplicam, os personagens são fascinantes. Mas hoje é dia de balanço e, enquanto a turma percorre Crato e Juazeiro do Norte para fins burocráticos, esta blogueira aproveita o silêncio do sítio Beatos para, entre uma manga e outra, uma seriguela e outra, bichada ou sem bicho, escrever um pouquinho.

Os vídeos também começam a aparecer, porém bem simples, já que a internet móvel não permite extravagâncias. Abaixo, o primeiro deles, mostrando um dos personagens locais, o palhaço e mestre de cerimônia Tranquilino Repuxado, durante encontro de reisado na Vila de Padre Cícero, em Crato.

O Terra das Boas Ideias segue em expedição até o dia 17 de janeiro.



Vídeo: Luciana Quierati

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Desvendado o mistério de Defunto

Uma das casas do povoado de Defunto, hoje chamado Bom Jardim, no Ceará.
Uma e quarenta e três da manhã em Crato, cidade vizinha de Juazeiro do Norte, uma hora a mais em São Paulo, e o sono chega, mas de leve, incapaz de fazer esta blogueira deixar para amanhã o que se pode fazer hoje: relatar um pouco do segundo dia da expedição com a trupe Artemanha.

O povoado de Defunto existia no Google Maps, mas nem o povo do sertão cearense sabia dele. Era perguntar para a gente mais experiente de Juazeiro e redondezas para começar a ouvir piadinhas sobre o lugar. Ninguém tinha ouvido falar - com exceção de seu Pedro Germano, de quem o blog contou história no último post.

Pois bem, pouco faltava para as duas horas da tarde, depois de muitas léguas de chão batido percorridas na Kombi da expedição, quando chegamos a Defunto, que só não é tão conhecido porque teve o nome alterado anos atrás para Bom Jardim.

Lá, o Terra das Boas Ideias ouviu grandes histórias, como a da explicação do nome estranho do lugar, contada por um senhor simpático de 84 anos, afilhado de Padre Cícero, e a de um rapaz de 33 anos que criou uma agência de relacionamento em pleno sertão.

Agência de relacionamento criada em Lagoa dos Paulinos, Salitre-CE.
Mas agora é hora de dormir, que amanhã é Dia de Reis e a festança correrá solta por aqui. Quem quiser saber mais sobre Defunto, que continue acompanhando os próximos capítulos desta saga.

Fotos: Luciana Quierati

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Raimundo da Cabaçal e o pintor de uma mão só

O primeiro dia (quarta-feira) de expedição do TBI pelo nordeste do país foi marcado por reuniões e troca de informações com artistas e articuladores culturais da região metropolitana de Juazeiro do Norte. E dos personagens encontrados por essas bandas, dois merecem alguns parágrafos, mesmo que sejam poucos diante de sua importância para a história local.

Mestre Raimundo Anicete, em frente sua casa, em Crato-CE.
MestJá caía a noite quando a Trupe Artemanha de investigação urbana e esta blogueira seguiram pelas ruas do município de Crato com o objetivo de pegar mestre Raimundo José da Silva, ou Raimundo Anicete, de surpresa, para uma prosa sobre sua banda, a Cabaçal Irmãos Anicete. E ele, mais que surpreendido, acabou surpreendendo, recepcionando a turma na calçada de sua casa com uma farta bandeja de amendoim cru, cerveja e din din (sacolé ou geladinho) de morango e coco.

Denominado ‘mestre’ por seu trabalho de líder da banda, Raimundo nasceu em Crato em 1934. Herdou a banda do pai depois que três dos irmãos mais velhos (de uma família de 10 filhos) tiveram o gosto de comandá-la. Ele é o caçula. Sabe tocar todos os instrumentos utilizados por seu grupo, mas seu forte é o “pifi”, uma espécie de flauta que ele mesmo ajuda a confeccionar.

As músicas também partem dele, de seus irmãos e dos sobrinhos que integram o grupo. Ali, é tudo em família. Até a banda mirim é composta por meninos com algum parentesco. São os Anicetes, que ganharam esse “sobrenome” por conta de um apelido que o pai de Raimundo recebeu na infância. “Apelido pega mesmo, e pegou na família inteira”, conclui o mestre.

Recentemente, ele esteve em São Paulo e no Rio de Janeiro para apresentações da Cabaçal. “A praia é boa!”, comenta saudoso o mestre sobre o litoral da Cidade Maravilhosa. Mas nada para ele é mais merecedor de elogios que sua própria banda. "É coisa regional, é da gente mesmo. É cultura legítima. A gente é que cria nossa música, e ela é criada de ouvido”, afirma, todo orgulhoso das muitas atividades da mesma. “A banda é católica e toca na igreja, em batizado, casamento, acompanha procissão”, enumera.

Perto de completar 76 anos, em 14 de fevereiro, mestre Raimundo faz par com dona Raimunda, também nascida em fevereiro (dia 4) e com a qual se casou no dia 29. De que mês? Mais uma vez, fevereiro. Dessa parceria, nasceram duas meninas e um menino, que já começaram a dar netinhos. “Queria ter tido 15 filhos, não consegui. Acho que agora dá pra chegar nos 15... Quinze netos”, diz entre risos mestre Raimundo, interrompido pelo amigo Pedro: “Dá não. Hoje tem televisão”.

Pedro Germano e mestre Raimundo Anicete sentados em frente à casa deste.
Seu Pedro Germano dos Santos, no auge dos 79 anos, é conhecido com o melhor pintor do Crato, apesar de o ser com uma mão só. Aos 30 anos, perdeu a direita, justamente a mão do trabalho, em um acidente de caminhão. “No dia que vi meus colegas trabalhando, eu chorei e me perguntei: ‘rapaz, agora eu vou comer de esmola?’”. E com a vontade de continuar a ser útil, Pedro subiu no andaime e voltou ao batente.

Certo dia, um dentre os próprios colegas lhe fez um desafio. Ofereceu algo em torno de R$ 1 mil, na moeda da época, caso ele conseguisse pregar um prego. “Tirei o chinelo, coloquei o prego entre os dedos do pé e martelei”, lembra seu Pedro, que viu dinheiro chover em sua horta naquele dia, como nunca acontecera antes em sua vida simples no sertão do nordeste.

Seu Pedro, mestre Raimundo, dona Raimunda e um neto com a Trupe Artemanha.

(Mais adiante, o TBI publicará um vídeo com um pouco mais sobre mestre Raimundo Anicete.)

Fotos: Luciana Quierati

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Começa a aventura no sertão nordestino


Durante 14 dias, o Terra das Boas Ideias acompanhará sete integrantes da Trupe Artemanha de Investigação Urbana em uma expedição pelo sertão nordestino.

O objetivo da companhia paulistana de teatro é pesquisar os costumes e arte do povo que vive a 2,4 mil km de seu local-sede, a zona sul de São Paulo, para compor um espetáculo que será apresentado em locais públicos da capital paulista. E o objetivo deste blog é detalhar esse percurso, contando as boas histórias que encontrar pelo caminho.

A aventura começa hoje em Juazeiro do Norte, mais precisamente na casa do seu João do Crato, onde vamos passar a noite, e vai até o dia 17, a bordo de uma Kombi, que passará por ao menos 20 cidades e lugarejos.

Prontos para desvendar as belezas, mistérios e boas ideias deste lugar? Bem-vindos!