quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Um poeta e sua casa na Roliúde Nordestina

Depois de desbravar Juazeiro do Norte, conhecer Crato, terra de padre Cícero, e desmistificar Defunto (sobre o qual ainda vamos postar algo bem interessante por aqui), o Terra das Boas Ideias, na companhia da Trupe Artemanha de teatro de São Paulo, deixou o Ceará no dia 9 de janeiro e seguiu para a Paraíba. A parada mais importante - além das feitas para comprar redes e comer tapioca na beira da estrada - foi em Cabaceiras, onde nossa Kombi adentrou já depois da 1 hora do dia 10.

Após passar o fim de madrugada em uma pousada, a Cariri, no centro, a equipe seguiu pelas ruas da Roliúde Nordestina, como denomina um letreiro logo na entrada da cidade. Mais de 20 filmes foram rodados no local, como "O Auto da Compadecida" (2000) e "Cinema, Aspirinas e Urubus" (2005), sem falar em trechos de novelas, como mais recentemente, da trama das 19h, "Aquele Beijo", em cenas do encontro do personagem de Diogo Vilela com sua suposta irmã Damiana.

A inscrição na entrada da cidade, captada na chegada do grupo a Cabaceiras.
E durante as andanças, um encontro ficou registrado com o poeta Paulinho de Cabaceiras, que também foi personagem de filme, um documentário de 2007, que leva o nome do município. Primeiro ele conversou com o grupo sentado mesmo na calçada da pousada e, posteriormente, em sua casa, uma moradia simples, mas muito charmosa, em razão dos requintes de sua decoração.

Detalhes de cortina e aparador na sala do poeta paraibano.

A casa é utilizada pelo poeta apenas como refúgio, para compor sua obra.

Atual diretor de Cultura do município, Paulinho falou sobre sua rotina escrevendo cordéis, na casa que lhe serve de refúgio - a maior parte de seu tempo ele passa em um sítio, onde mora sua mãe. Comentou orgulhoso ser o primeiro poeta paraibano e segundo brasileiro a ter cordéis publicados em braile. Analisou a política brasileira, bem como fatos históricos que compuseram o que é hoje sua Cabaceiras. E contou causos, declamou poemas e citou poetas paraibanos.

Entre eles, Pinto do Monteiro, Severino Lourenço da Silva Pinto de nascimento, que morreu em 1990, aos 94 anos. Poeta popular, compositor e cantor nascido na Paraíba, que escreveu:

"Esta palavra saudade
conheço desde criança
saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança
saudade só é saudade
quando morre a esperança".

Paulinho de Cabaceiras também citou João Paraibano, este vivo, poeta e repentista que escreveu:

"Vi o fantasma da seca
Ser transportado numa rede
Vi o açude secando
Com três rachões na parede
E as abelhas no velório
Da flor que morreu de sede".

"Nem Castro Alves escreveu isso, nem Manoel Bandeira, nem filho da p... nenhum", se exalta Paulinho diante das rimas de tanta beleza. Para ele, Pinto do Monteiro e João Paraibano são gênios da improvisação e dos versos bem medidos, que os inspiram em seu trabalho.

Paulinho de Cabaceiras em sua casa, no centro da Roliúde Nordestina.

De autoria dele, muitos cordéis dispostos em uma parede do quarto que lhe serve de QG. Alguns deles publicados em jornais da cidade, como foi o caso da Gazeta de Cabaceiras, um informativo da prefeitura. Para o primeiro exemplar do veículo, editado em 2009, ele escreveu:

Vou-me embora para o passado

"(...)
Vou-me embora pra o passado,
Pras terras caririzeiras,
Vou morar em Cabaceiras
Na rua do Velho Mercado.
Vou comprar e vender gado
A "Seu Zé Honorato", a "Zé de Biu",
Vou dançar forró tocado por "Liu"
No "Zinco! e no "Guarani",
Dar risadas com "Paturi"...
E rever a turma do funil.

Com João Crispim eu vou beber cana,
Com "João Preto" vou pescar
E a "Boca da noite" prosear
Com "Seu Chico e Dona Ana".
Todo final de semana,
Vou assistir a retreta,
Ouvir Rosalvo da clarineta
No coreto da pracinha...
Dançar valsa com "Titinha"
E bolero com Mariêta.

No rio cheio de canto a canto,
Vou nadar, remar canoa,
Vou comer peixe, tomar "Chica Boa",
Pescar, sorrir, espantar o meu pranto...
E quando a noite com seu negro manto,
Cobrir o meu torrão caririzeiro,
Vou chamar Paulinho Cordeiro
E "Zé de Cazuza da Prata",
Pra fazer uma serenata
Lá na "Pera do Cruzeiro".

Vou comer as "puxas" de "Mãe Nininha"
Os "sequilhos" de "Seu Mané Marciano"
Ouvir o pandeiro de Floriano
Ritmando uma modinha.
"Talisca" ou "Mãe Neguinha"
Meu terno de linha vai engomar,
Pra elegante eu ir dançar
No baile da Prefeitura,
Vou correr atrás de tanajura
Quando o inverno chegar".

Ao final do bate-papo, a trupe seguiu viagem rumo a Natal, no Rio Grande do Norte.

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