quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Raimundo da Cabaçal e o pintor de uma mão só

O primeiro dia (quarta-feira) de expedição do TBI pelo nordeste do país foi marcado por reuniões e troca de informações com artistas e articuladores culturais da região metropolitana de Juazeiro do Norte. E dos personagens encontrados por essas bandas, dois merecem alguns parágrafos, mesmo que sejam poucos diante de sua importância para a história local.

Mestre Raimundo Anicete, em frente sua casa, em Crato-CE.
MestJá caía a noite quando a Trupe Artemanha de investigação urbana e esta blogueira seguiram pelas ruas do município de Crato com o objetivo de pegar mestre Raimundo José da Silva, ou Raimundo Anicete, de surpresa, para uma prosa sobre sua banda, a Cabaçal Irmãos Anicete. E ele, mais que surpreendido, acabou surpreendendo, recepcionando a turma na calçada de sua casa com uma farta bandeja de amendoim cru, cerveja e din din (sacolé ou geladinho) de morango e coco.

Denominado ‘mestre’ por seu trabalho de líder da banda, Raimundo nasceu em Crato em 1934. Herdou a banda do pai depois que três dos irmãos mais velhos (de uma família de 10 filhos) tiveram o gosto de comandá-la. Ele é o caçula. Sabe tocar todos os instrumentos utilizados por seu grupo, mas seu forte é o “pifi”, uma espécie de flauta que ele mesmo ajuda a confeccionar.

As músicas também partem dele, de seus irmãos e dos sobrinhos que integram o grupo. Ali, é tudo em família. Até a banda mirim é composta por meninos com algum parentesco. São os Anicetes, que ganharam esse “sobrenome” por conta de um apelido que o pai de Raimundo recebeu na infância. “Apelido pega mesmo, e pegou na família inteira”, conclui o mestre.

Recentemente, ele esteve em São Paulo e no Rio de Janeiro para apresentações da Cabaçal. “A praia é boa!”, comenta saudoso o mestre sobre o litoral da Cidade Maravilhosa. Mas nada para ele é mais merecedor de elogios que sua própria banda. "É coisa regional, é da gente mesmo. É cultura legítima. A gente é que cria nossa música, e ela é criada de ouvido”, afirma, todo orgulhoso das muitas atividades da mesma. “A banda é católica e toca na igreja, em batizado, casamento, acompanha procissão”, enumera.

Perto de completar 76 anos, em 14 de fevereiro, mestre Raimundo faz par com dona Raimunda, também nascida em fevereiro (dia 4) e com a qual se casou no dia 29. De que mês? Mais uma vez, fevereiro. Dessa parceria, nasceram duas meninas e um menino, que já começaram a dar netinhos. “Queria ter tido 15 filhos, não consegui. Acho que agora dá pra chegar nos 15... Quinze netos”, diz entre risos mestre Raimundo, interrompido pelo amigo Pedro: “Dá não. Hoje tem televisão”.

Pedro Germano e mestre Raimundo Anicete sentados em frente à casa deste.
Seu Pedro Germano dos Santos, no auge dos 79 anos, é conhecido com o melhor pintor do Crato, apesar de o ser com uma mão só. Aos 30 anos, perdeu a direita, justamente a mão do trabalho, em um acidente de caminhão. “No dia que vi meus colegas trabalhando, eu chorei e me perguntei: ‘rapaz, agora eu vou comer de esmola?’”. E com a vontade de continuar a ser útil, Pedro subiu no andaime e voltou ao batente.

Certo dia, um dentre os próprios colegas lhe fez um desafio. Ofereceu algo em torno de R$ 1 mil, na moeda da época, caso ele conseguisse pregar um prego. “Tirei o chinelo, coloquei o prego entre os dedos do pé e martelei”, lembra seu Pedro, que viu dinheiro chover em sua horta naquele dia, como nunca acontecera antes em sua vida simples no sertão do nordeste.

Seu Pedro, mestre Raimundo, dona Raimunda e um neto com a Trupe Artemanha.

(Mais adiante, o TBI publicará um vídeo com um pouco mais sobre mestre Raimundo Anicete.)

Fotos: Luciana Quierati

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