quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A voluntária que ouve você

Se você tem um montão de amigos, vive falando ao celular ou trocando mensagens de texto com eles, se enturma rápido, tem boa relação com os colegas de trabalho, se dá bem com a família, talvez nunca vá precisar da ajuda da Adriana Rizzo, 41 anos. Mas ela estará à disposição para te ouvir, assim como faz pelo menos uma vez por semana com inúmeras outras pessoas que ela nunca viu na vida, nem chegará a ver.

Adriana é voluntária do Centro de Valorização da Vida (CVV) – você já deve ter visto alguma propaganda na TV. Há 13 anos, dedica quatro horas e meia de suas terças-feiras à noite para ouvir pessoas que não têm com quem compartilhar momentos, sejam eles bons ou ruins. Algumas, à beira da depressão ou do suicídio.

Na grande maioria das vezes, Adriana atende por telefone (90% dos que procuram o CVV o fazem via telefone, segundo a voluntária). Ela ouve quem liga, estimula o desabafo e tenta entender o que se passa. “A gente vai conversando, mostrando que estamos compreendendo. O momento é da pessoa, ela é que vai conduzir”, diz Adriana, que mora em Araraquara, no interior de São Paulo. O CVV, porém, oferece atendimento também por carta, e-mail ou pessoalmente.

Segundo ela, o plantonista da organização, que é uma das mais antigas do Brasil – fundada em 1962 -, procura não interferir, direcionar a conversa ou opinar. ”É difícil falar algo para alguém que você nem conhece”, argumenta a engenheira agrônoma de formação, que recebe treinamento constante para atuar o mais profissionalmente possível.

Solteira e sem filhos, Adriana afirma que muitos casos a comovem, mas que é preciso não confundir os problemas. “Com o tempo, vamos aprendendo a separar o que é nosso e o que é da pessoa que precisa de ajuda”, diz a voluntária. “Nos treinamentos, a gente se ajuda, se apoia. Passamos por problemas o tempo todo também”, observa.

Agora no fim de ano, época em que a sensibilidade fica à flor da pele, o número de ligações aumenta de 20% a 30%, embora algumas delas sejam apenas para agradecer um atendimento anterior e desejar boas festas. Adriana, que trabalhou na terça-feira, dia 27, fará um plantão extra nesta semana, cobrindo uma colega, na véspera do dia de ano novo. Não ficará até a meia-noite, mas certamente alguém estará lá para ouvir quem quer que precise.

“É uma sensação boa de poder ajudar com uma coisa simples, que é conversar com a pessoa. É fácil, todo mundo pode fazer. Quantas vezes a gente não faz isso no ônibus?”, diz Adriana. Para ela, não é necessário ser voluntário, estar dentro do CVV, para oferecer um ouvido amigo. Basta olhar ao redor e ver que há pessoas precisando de atenção. “Às vezes, a gente está tão ensimesmada que não se dá conta disso”.

Voluntariado do CVV
Exigências: ter mais de 18 anos de idade e pelo menos quatro horas disponíveis
Preparo: curso de três meses oferecido pelo CVV várias vezes no ano
Atuação: telefone, carta, contato pessoal, e-mail e chat, nos 71 postos espalhados pelo Brasil
Número de vagas: ilimitado
Inscrições: no site www.cvv.org.br, nos campos “Voluntários” e “Seja Voluntário”.

TBI na floresta de Bebedouro

Michelângelo na Floresta Estadual de Bebedouro.
Foto: Luciana Quierati
Na manhã desta quinta-feira, em meio a uma área de floresta no coração de Bebedouro, interior de São Paulo, o Terra das Boas Ideias conversou com Michelângelo Stamato. As lentes de suas câmeras fotográficas já registraram 214 espécies diferentes de aves pela cidade. E o que ele faz com essas fotos? Fique de olho no blog para saber.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Construindo uma escola de bambu

Ao contrair malária e febre tifoide, o jornalista Vinícius Zanotti teve que ficar na Libéria mais do que os 15 dias planejados para o primeiro país na lista do seu “mochilão”. E enquanto se recuperava, conheceu Sabato Neufville, um liberiano de 34 anos, prestador de serviços da ONU, que, ao identificar uma comunidade de duas mil pessoas sem escola, resolveu criar uma. A obra foi paga com seu salário, também empregado em manter o corpo docente e os nove órfãos de guerra adotados por Sabato.

Reconhecendo tal esforço, o jornalista brasileiro, que havia colocado a África no roteiro para servir como voluntário durante sua estada, entrou em contato de lá mesmo com amigos e concluiu que uma rede podia ser formada para dar mais dignidade a alunos e professores. Fez um documentário contando a história de Sabato e da comunidade onde a escola foi erguida, na periferia de Monróvia, capital do país, e lançou oficialmente em setembro deste ano o projeto Escola de Bambu. O objetivo: construir uma escola nova, mais estruturada.

Entenda a história na entrevista concedida por Zanotti ao Terra das Boas Ideias nesta semana, em São Paulo.

Vinícius, em São Paulo, de onde coordena a campanha Escola de Bambu.
Você conheceu vários cenários na Libéria. Por que resolveu se envolver com a escola do Sabato?
A necessidade dele e da instituição dele. Na época, ele era um prestador de serviços da ONU, tinha um salário que variava de 500 a 800 dólares mensais, e mesmo com esse dinheiro ele tirou do próprio bolso para construir uma escola, pagar o salário dos professores, sem falar no fato de ele já ter adotado nove órfãos de guerra. Era uma pessoa que merecia total contribuição e respeito.

Por que ele criou uma escola?
A escola que ele montou é numa comunidade que, segundo ele, tinha uma incidência alta de crime, de drogas, e as crianças não estavam indo para a escola justamente porque não havia escola. Então ele decidiu que seria melhor construir uma e fez a escola de bambu. Pegou os bambus, cobriu, montou uma estrutura e começou a receber as crianças, de forma gratuita. Não existe escola gratuita na Libéria, apesar de os valores cobrados serem baixos.

Não há escola pública?
Tem pública, mas não é gratuita. Não é pública no sentido brasileiro. Segundo o que ele nos passou. Você tem que pagar uma taxa semestral.

A maioria não deve ter condições de pagar a escola.
Acredito que não. É um país onde o salário mínimo é de US$ 40 por mês e 80% da população não têm emprego formal, ou seja, ganham menos de US$ 40 por mês. Então, certamente falta para a educação.

Como é a escola de bambu do Sabato?
Na verdade, essa escola teve um problema. Ela não está mais sendo uma escola, teve uma disputa do terreno, segundo o que o Sabato nos disse na vinda dele para cá. Agora as crianças estão em um centro, que o Sabato havia feito antes mesmo de construir a escola, chamado Centro de Jovens, mas é um espaço bem menor. Ele é feito com uma construção mais acabada que o bambu, porém é muito menor. Segundo ele, mais de 500 crianças estão nesse lugar, então imagino que seja uma situação bem desconfortável. Eu cheguei a conhecer esse centro, é uma casa pequena, com uns quatro cômodos. Com aquelas crianças que eu já tinha visto ficava muito pequeno, e agora com essa entrada maior, acho que fica meio impossível.

Qual a capacidade da escola de bambu que vocês pretendem fazer?
Ela tem capacidade para abrigar de 300 a 500 alunos, dependendo do formato da carteira. É uma construção que vai ser feita com bambu tratado, que vai substituir o ferro. Até para manter a cultura africana. As paredes serão com uma mistura que se faz com a terra do próprio local. Também queremos disponibilizar energia, incialmente solar, além de banheiros. É uma comunidade que tem 2 mil pessoas e nenhum banheiro. Nossa ideia é fazer um banheiro comunitário com tratamento de esgoto, para que eles consigam também fazer adubo. Outra ideia é o abastecimento de água da chuva, que eles não têm, e captação de água. Hoje o poço fica muito distante das residências, e quem faz esse trabalho geralmente são as crianças. Com cinco anos eles já estão colocando cinco ou seis litros de água na cabeça e levando até em casa. Nossa ideia é pensar em uma estrutura mais próxima das residências e também algo para melhorar esse transporte.

Como é o “banheiro” atual deles?
Não tem fossa, não tem nada. É no terreno, mesmo. E isso ocorre em grande parte da Libéria. Nessa comunidade específica não tem nenhum, mas em grande parte da Libéria também não existe.

Como é que o Sabato conseguiu recrutar outros professores para ganhar praticamente nada para dar aula na escola dele?
Eles têm um sentimento muito grande quando se fala em reconstruir o país. Eles tiveram uma guerra que devastou, foram quinze anos, mais de 300 mil pessoas morreram. Hoje a população deles é de 3 milhões, então 10% morreram. Até mesmo no documentário tem um professor que falou: ‘olha, eu ganhava US$ 310 por mês, estou ganhando US$ 10. Mas se eu não der aula, essas crianças não vão ter outro professor’. Então, eles decidem por isso. Pela vontade de reconstruir a Libéria. O país não vai ser reconstruído de um dia para o outro, vai demandar tempo, e ele vai ter que ser reconstruído pelos liberianos. O incentivo à educação é fundamental nesse sentido.

O Sabato adotou nove órfãos de guerra. Ele já tinha família?
Não, essa é a primeira família dele. O Sabato tem 34 anos e o filho mais velho adotado tem 27. O mais novo tem sete ou oito anos. Desde cedo ele se acostumou a trazer as pessoas para perto dele, dar um jeito de abrigá-las, alimentá-las. O Sabato acabou tendo uma filha no ano passado, mas ele não é casado com a mulher.

Mora todo mundo junto?
O Sabato mora em uma casa com um quarto, um banheiro e uma sala. Quando eu fui lá, ele dividia o quarto com a mulher. Na sala, ficavam dois dos mais novos. Três dos mais velhos ficavam numa outra casinha que era só um cômodo. E outros em outro cômodo. Eles vivem na mesma comunidade, em casas diferentes, mas a alimentação, tudo provém do Sabato.

Você conheceu esses filhos? Como é a relação deles com o Sabato?
É uma relação de muito respeito e admiração. O respeito ao mais velho na Libéria é muito maior do que o que estamos acostumados aqui. Esse é um dos motivos do respeito. O outro é pelo Sabato fazer tudo o que faz, por ter abrigado todos eles e cuidar deles.

Como foi a estada dele aqui no Brasil, este ano?
Ele veio no mês da Consciência Negra para várias atividades em Campinas e uma apresentação em São Paulo, como forma de fazer debates, apresentar toda a problemática dele. Ele foi palestrante de um seminário e ficou 17 dias.

O que ele achou do Brasil? Ele teceu comparações?
Foi a primeira vez que ele entrou em um país que não fosse devastado por guerras. Ele chegou a ir para a Costa do Marfim, Serra Leoa, alguns países conflituosos. Quanto ao Brasil, ele não aceita comparação, nem se for relacionada à violência, nem se for pela pobreza. Chegamos a fazer inclusive umas visitas com ele, na (favela de) Paraisópolis, e ele entrou em algumas casas. Ele disse: ‘olha, Vinícius, aqui eles são pobres, mas têm energia elétrica, água, internet, televisão. Se eles fossem os pobres da Libéria, morreriam na primeira semana’. Não tem uma comparação. A maior parte das pessoas de lá perdeu algum parente na guerra, viu alguém ser assassinado. É uma realidade muito oposta. Eu consegui ver também um pouco do desconhecimento deles. O uso do cartão de crédito é algo que não existe lá. Quando a gente foi andar de metrô, ele disse ‘olha o trem’. Eu falei: ‘não, é o subway, underground, metro’. Mas para ele, era o trem. Isso mostra o conhecimento de mundo deles.

Quanto custa o projeto: R$ 337.199,55
Quanto já foi arrecadado: R$ 11.892,07
Como contribuir: comprando o DVD, camiseta e caneta do projeto no site www.bambooschooldoc.com ou fazendo qualquer doação via conta corrente.
Contato: viniciuszanotti@gmail.com



Foto e vídeo: Luciana Quierati

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A merendeira que perdeu o emprego por ajudar os pobres

Tia Lúcia em sua asa, na rua 12 do Residencial Centenário, em Bebedouro-SP.

Ela assim justifica e muita gente na cidade acredita na mesma versão, apesar de esta não ter sido dada oficialmente como a causa do ocorrido. Ela é Maria Lúcia dos Reis, mais conhecida por tia Lúcia, de 64 anos; o ocorrido, sua demissão do cargo de auxiliar de serviços gerais da prefeitura de Bebedouro, no interior de São Paulo, enquanto trabalhava numa escola; e a versão mais aceita, a de que o fato de tia Lúcia dar as sobras de sopa da escola para famílias carentes, quebrando assim as regras da administração, levou a sua demissão por justa causa em 2000.

O emprego veio a faltar, mas a vontade de ajudar continuou latente em tia Lúcia, que havia trabalhado na colheita de laranja antes de ser contratada pelo município, em 1988. Por três vezes tentou entrar para a política. Queria poder legislar por quem mais precisa e ter uma remuneração maior que atual, para contribuir mais do próprio bolso, diz ela.

“Eu arrumei a cama, mas a mulher não tem R$ 20 para o carreto. Então, vou esperar eu receber um dinheiro (pagamento de salário) para poder mandar lá para ela”, diz tia Lúcia se referindo a uma cama conseguida como doação para uma família do Jardim Santa Terezinha que estava dormindo no chão, em novembro, quando desta entrevista. “Eu descubro tudo quanto é gente que está precisando”, diz a aposentada, que mora há 20 anos no Residencial Centenário, do outro lado da cidade.

Tia Lúcia com cama para doação a família carente.

Como ela não quer mais saber de política – fez promessa de que não se candidataria mais se Deus afastasse dela o diagnóstico de um câncer -, resta apenas continuar a fazer da forma de sempre. Doadores não faltam. Talvez porque já perceberam que ela não desiste fácil de pedir e que, se quisesse usar isso em benefício próprio, nesses 13 anos de atuação, já o terei feito, a começar dando um “tapa” em sua casa mal-acabada, a de número 591 da antiga Rua 12.

Piso de cerâmica tem na cozinha, mas nos demais cômodos é piso de concreto pintado de azulão. Até a caixa d’água dá para ser vista a partir do sofá da sala. Ela está sob o telhado, mas não há laje nem forro para escondê-la.

Mesmo assim, simples, a casa está sempre cheia de amigos. “Meu marido me largou por causa disso. Ele queria descansar durante o dia e sempre tinha gente aqui em casa. Se cansou”, diz. E as amigas são muitas e frequentes, porque tia Lúcia vende lingerie, pão de queijo e artesanato, e quando não consegue ir até as clientes, estas vêm até ela. Mesmo no seu horário de soneca, já que há dois anos tem trabalhado de noite e madrugada cuidando de uma senhora de 93 anos que já sai da cama.

Tia Lúcia realiza festa todos fim de ano para a criançada.

Apesar de todas suas ações em favor das pessoas, uma festa de Natal, realizada já há 11 anos, é que a torna mais conhecida na cidade. É destinada às crianças do bairro, com direito a bolo de cinco metros de comprimento e presença do ‘bom velhinho’. “Sou discriminada lá na igreja porque faço as festas e levo Papei Noel. Eles não gostam, mas eu não ligo!”, diz Tia Lúcia, que é evangélica. Ela frequenta a igreja, usa vestidos longos e cabelos em coque, como é comum às irmãs de sua religião, mas acredita que a alegria das crianças vem antes de qualquer regra convencionada pelo homem.

Para seus “sobrinhos”, tia Lúcia não nega nada, mesmo que eles sejam de famílias que não se esforcem por melhorar de vida. “Não ajudo qualquer um, não. Se é vagabundo, não ajudo. Vou até a casa pra ver. Mas as crianças sempre ganham alguma coisa, porque não têm culpa, né?”, argumenta.

Apesar de contar com a ajuda de muitos colaboradores, que fazem doações, ela organiza tudo sozinha. Ao mesmo tempo em que corre atrás de quem doe sorvete e pão para o cachorro-quente, compra açúcar e já pensa no dinheiro que terá que separar do 13º salário para pagar o rapaz que fará o algodão-doce. “Eu dou o açúcar, pago R$ 50 e ele vai lá com o carrinho fazer o algodão. Todo ano é assim.” O mesmo acontece com o pipoqueiro.

A festa é para crianças de zero a 12 anos, com prioridade para as mais carentes – apesar de ninguém ser barrado na porta. Ela mesma passa de porta em porta convidando.

Fotos: Luciana Quierati

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Petição pede pena máxima para agressora de cão

Nessa nova fase do Terra das Boas Ideias, abriremos espaço para notícias, boas ou ruins, que possam nos mover a favor de uma causa. Comecemos, então, por nos manifestar contra atitudes como a mostrada do vídeo abaixo.

Nas imagens, uma mulher, a priori identificada como enfermeira de 22 anos, da cidade de Formosa-GO, espanca um Yorkshire na frente de uma criança pequena. Segundo o Jornal Hoje, o cãozinho morreu. O vídeo foi gravado, aparentemente, por alguém que estava no andar de cima do apartamento dessa mulher.

Independentemente de quem seja (o caso está sendo investigado), uma petição pública online foi criada para exigir pena máxima por maus-tratos para essa mulher. Acesse e assine.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Perfil do voluntário brasileiro


Pesquisa da Rede Brasil Voluntário, realizada pelo Ibope Inteligência, aponta que um em cada quatro brasileiros com mais de 16 anos, cerca de 35 milhões de pessoas, faz ou já fez algum trabalho voluntário.

Dos que atualmente realizam alguma ação de voluntariado, 53% são mulheres e 47% homens, com uma média de idade de 39 anos. Dividem-se entre casados (47%) e solteiros (42%).

A pesquisa completa está no site da Rede: http://www.redebrasilvoluntario.org.br.

Clique aqui para ver o infográfico em tamanho maior.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Seu Zé dos abaixo-assinados

Acabo de escrever mais um texto para o Suplemento de Natal da Gazeta de Bebedouro e gostaria de compartilhar aqui um pouquinho dessa história, que vai para as bancas na minha cidade em 24 de dezembro.

É a história do seu José Antônio Cardoso, de 78 anos. Aposentado por invalidez desde os 54 anos, depois de um acidente de trânsito que lesionou sua coluna, o mineiro de nascença e bebedourense de coração vive tentando arrumar soluções para seu bairro, o Jardim das Laranjeiras.

Dez anos atrás, encabeçou um abaixo-assinado pedindo a reabertura do posto de saúde, que fica a um quarteirão de sua casa. Conseguiu 1,5 mil assinaturas, e a unidade voltou a funcionar.

Dois anos atrás, durante duas semanas, repetiu o feito de bater de porta em porta, agora com a saúde e a disposição um pouco comprometidas pela idade. E desta vez, a demanda era o recapeamento das ruas do bairro. Ele mora no Laranjeiras há 22 anos e diz nunca ter visto obras permanentes no asfalto, apenas aquelas operações tapa buraco que são desfeitas a cada chuva mais forte.

"Saía logo cedo e de tanto pegar sol na cabeça vim a ter labirintite", conta o morador, que precisou passar pelo médico em meio às visitas que fazia para coletar assinaturas. Conseguiu 470 e as entregou a um vereador, que diz ter repassado ao prefeito. Só que ao contrário da primeira vez, esta obra ainda não foi realizada, para desânimo do aposentado.

"Às vezes, é uma coisa que não está no alcance do prefeito. Nós entendemos. Mas o caso é que já faz 22 anos, né?", observa seu Zé, que aparece na foto mostrando um dos buracos em frente sua casa que havia acabado de ser tapado com brita, no final de novembro. Medida meramente paliativa.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Na favela, dando sentido à vida numa cadeira de rodas

Rose e o caderno com o cadastro das famílias beneficiadas.

Daqui a 10 dias, cerca de 200 crianças da Favela do Cigano, em Santo André, na Grande São Paulo, vão ter uma festa de Natal. Talvez a primeira da maioria. Com direito a sacolinha com roupas e doces, cachorro-quente e muita música animada.

A favela pode ser vista ao longo da linha férrea que liga o município à capital, e fica do ladinho da estação que toma emprestado o nome do bairro, Utinga. Foi criada por ciganos, mas eles já se foram. Também não há bandidagem, assegura Maria Rosimere da Silva, de 36 anos, idealizadora do evento.

A Favela do Cigano, que fica ao lado da estação Utinga de trem.

Foi contemplando a vida em harmonia na comunidade de cima de sua cadeira de rodas, junto ao seu portão, por tardes e tardes, que Rose também percebeu que as mesmas pessoas que viviam em paz, estavam na miséria. E a gota d’água para tomar uma atitude foi quando um menino (foto), que ainda circula de fraldas pela Travessa da Paz, a principal rua da favela, veio até ela pedir comida.
O pequeno que inspirou Rose a trabalhar pela comunidade.

Uma vizinha doou um cômodo e nasceu o Clube de Mães, que almeja não apenas uma festa de fim de ano, mas assegurar um pouco mais de dignidade aos moradores durante o restante dos meses. Rose, que foi morar na favela porque não conseguia pagar o aluguel na Rua Viena, também em Utinga, hoje quase não sai de casa. Impossibilitada pela falta de movimento nas pernas, quando sai, ou é para ir ao médico ou para pedir doação para os vizinhos mais pobres.

O que ela pode fazer dentro da própria comunidade, ela faz. Enquanto conversávamos, um carro de som, caindo aos pedaços, passava pedindo que todos os pertences fossem retirados da travessa porque em poucos dias o asfalto vai chegar. Assim como no ano passado chegaram a água encanada e a energia. E o asfalto, ai se não fosse Rose tomar a frente e fazer um abaixo-assinado!

Até dar um jeito de alfabetizar quem não pôde ir à escola, o grupo de Rose pretende. O Clube de Mães já conseguiu carteiras e alguns computadores. Agora só falta dar um jeito de as aulas começarem. Ela própria não estudou quando criança e quando se preparava para iniciar a quarta série no supletivo, ocorreu o acidente de trabalho. E agora, por ironia do destino, por conta dela a filha do meio, de 15 anos, deixou a escola.

A sala onde o grupo de Rose pretende promover aulas para adultos.

Mas Rose não perde a esperança de voltar a andar e de ver a filha formada em arquitetura. Nem de ver sua favela transformada em um bairro mais abastado. Do que depender dela, não faltarão braços para tornar isso tudo uma realidade.



Fotos e vídeo: Luciana Quierati

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Carlão, o treinador

Carlão e as carteirinhas de seus alunos do Parati I.

Pelada de criançada na rua tem um par de chinelos no gol. Na escolinha do professor Carlão, tem duas pedras bem grandes. Até existe trave, que foi ganha de um patrocinador, mas fica guardada e só é utilizada em dia de jogos contra equipes de outras escolinhas. Deixar as traves ao léu, sem ninguém para cuidar, no terreno vazio que Carlão usa para treinar seus alunos, não seria uma boa ideia.

Carlos Humberto Elisiário, de 46 anos, dá aulas quatro vezes na semana, em dois períodos diferentes, no gramado irregular de uma área da prefeitura, que fica no meio do Jardim Parati I, no município paulista de Bebedouro. Ali poderia ser uma praça, mas só reinam as ervas daninhas. Então, professor Carlão aproveita o espaço para fazer algo útil.

O treinador, em conversa com seus alunos, antes de um treino.

Ele criou sua escolinha, faz carteirinha de identificação para cada um da turma, leva água e 'prancheta' com esquema tático, e não ganha nada por isso. Faz porque acredita que o esporte é saúde, cria disciplina, fomenta as amizades. E ai de quem não tirar nota boa na escola! Professor Carlão exige o boletim no final do bimestre.

O treinador diz que um de seus sonhos é fazer faculdade de Educação Física, mas só conseguiu estudar até a quarta série. Pensa em fazer supletivo no próximo ano. Quem sabe não dá tempo? O outro sonho é ouvir no futuro, dos meninos que treina, que eles se tornaram alguém na vida pela ajuda do treinador.

"(A escolinha) é simples, né, mas dentro do meu coração ela é muito mais do que simples, é um campo profissional", diz. Assista ao vídeo!



Fotos e vídeo: Luciana Quierati