quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Construindo uma escola de bambu

Ao contrair malária e febre tifoide, o jornalista Vinícius Zanotti teve que ficar na Libéria mais do que os 15 dias planejados para o primeiro país na lista do seu “mochilão”. E enquanto se recuperava, conheceu Sabato Neufville, um liberiano de 34 anos, prestador de serviços da ONU, que, ao identificar uma comunidade de duas mil pessoas sem escola, resolveu criar uma. A obra foi paga com seu salário, também empregado em manter o corpo docente e os nove órfãos de guerra adotados por Sabato.

Reconhecendo tal esforço, o jornalista brasileiro, que havia colocado a África no roteiro para servir como voluntário durante sua estada, entrou em contato de lá mesmo com amigos e concluiu que uma rede podia ser formada para dar mais dignidade a alunos e professores. Fez um documentário contando a história de Sabato e da comunidade onde a escola foi erguida, na periferia de Monróvia, capital do país, e lançou oficialmente em setembro deste ano o projeto Escola de Bambu. O objetivo: construir uma escola nova, mais estruturada.

Entenda a história na entrevista concedida por Zanotti ao Terra das Boas Ideias nesta semana, em São Paulo.

Vinícius, em São Paulo, de onde coordena a campanha Escola de Bambu.
Você conheceu vários cenários na Libéria. Por que resolveu se envolver com a escola do Sabato?
A necessidade dele e da instituição dele. Na época, ele era um prestador de serviços da ONU, tinha um salário que variava de 500 a 800 dólares mensais, e mesmo com esse dinheiro ele tirou do próprio bolso para construir uma escola, pagar o salário dos professores, sem falar no fato de ele já ter adotado nove órfãos de guerra. Era uma pessoa que merecia total contribuição e respeito.

Por que ele criou uma escola?
A escola que ele montou é numa comunidade que, segundo ele, tinha uma incidência alta de crime, de drogas, e as crianças não estavam indo para a escola justamente porque não havia escola. Então ele decidiu que seria melhor construir uma e fez a escola de bambu. Pegou os bambus, cobriu, montou uma estrutura e começou a receber as crianças, de forma gratuita. Não existe escola gratuita na Libéria, apesar de os valores cobrados serem baixos.

Não há escola pública?
Tem pública, mas não é gratuita. Não é pública no sentido brasileiro. Segundo o que ele nos passou. Você tem que pagar uma taxa semestral.

A maioria não deve ter condições de pagar a escola.
Acredito que não. É um país onde o salário mínimo é de US$ 40 por mês e 80% da população não têm emprego formal, ou seja, ganham menos de US$ 40 por mês. Então, certamente falta para a educação.

Como é a escola de bambu do Sabato?
Na verdade, essa escola teve um problema. Ela não está mais sendo uma escola, teve uma disputa do terreno, segundo o que o Sabato nos disse na vinda dele para cá. Agora as crianças estão em um centro, que o Sabato havia feito antes mesmo de construir a escola, chamado Centro de Jovens, mas é um espaço bem menor. Ele é feito com uma construção mais acabada que o bambu, porém é muito menor. Segundo ele, mais de 500 crianças estão nesse lugar, então imagino que seja uma situação bem desconfortável. Eu cheguei a conhecer esse centro, é uma casa pequena, com uns quatro cômodos. Com aquelas crianças que eu já tinha visto ficava muito pequeno, e agora com essa entrada maior, acho que fica meio impossível.

Qual a capacidade da escola de bambu que vocês pretendem fazer?
Ela tem capacidade para abrigar de 300 a 500 alunos, dependendo do formato da carteira. É uma construção que vai ser feita com bambu tratado, que vai substituir o ferro. Até para manter a cultura africana. As paredes serão com uma mistura que se faz com a terra do próprio local. Também queremos disponibilizar energia, incialmente solar, além de banheiros. É uma comunidade que tem 2 mil pessoas e nenhum banheiro. Nossa ideia é fazer um banheiro comunitário com tratamento de esgoto, para que eles consigam também fazer adubo. Outra ideia é o abastecimento de água da chuva, que eles não têm, e captação de água. Hoje o poço fica muito distante das residências, e quem faz esse trabalho geralmente são as crianças. Com cinco anos eles já estão colocando cinco ou seis litros de água na cabeça e levando até em casa. Nossa ideia é pensar em uma estrutura mais próxima das residências e também algo para melhorar esse transporte.

Como é o “banheiro” atual deles?
Não tem fossa, não tem nada. É no terreno, mesmo. E isso ocorre em grande parte da Libéria. Nessa comunidade específica não tem nenhum, mas em grande parte da Libéria também não existe.

Como é que o Sabato conseguiu recrutar outros professores para ganhar praticamente nada para dar aula na escola dele?
Eles têm um sentimento muito grande quando se fala em reconstruir o país. Eles tiveram uma guerra que devastou, foram quinze anos, mais de 300 mil pessoas morreram. Hoje a população deles é de 3 milhões, então 10% morreram. Até mesmo no documentário tem um professor que falou: ‘olha, eu ganhava US$ 310 por mês, estou ganhando US$ 10. Mas se eu não der aula, essas crianças não vão ter outro professor’. Então, eles decidem por isso. Pela vontade de reconstruir a Libéria. O país não vai ser reconstruído de um dia para o outro, vai demandar tempo, e ele vai ter que ser reconstruído pelos liberianos. O incentivo à educação é fundamental nesse sentido.

O Sabato adotou nove órfãos de guerra. Ele já tinha família?
Não, essa é a primeira família dele. O Sabato tem 34 anos e o filho mais velho adotado tem 27. O mais novo tem sete ou oito anos. Desde cedo ele se acostumou a trazer as pessoas para perto dele, dar um jeito de abrigá-las, alimentá-las. O Sabato acabou tendo uma filha no ano passado, mas ele não é casado com a mulher.

Mora todo mundo junto?
O Sabato mora em uma casa com um quarto, um banheiro e uma sala. Quando eu fui lá, ele dividia o quarto com a mulher. Na sala, ficavam dois dos mais novos. Três dos mais velhos ficavam numa outra casinha que era só um cômodo. E outros em outro cômodo. Eles vivem na mesma comunidade, em casas diferentes, mas a alimentação, tudo provém do Sabato.

Você conheceu esses filhos? Como é a relação deles com o Sabato?
É uma relação de muito respeito e admiração. O respeito ao mais velho na Libéria é muito maior do que o que estamos acostumados aqui. Esse é um dos motivos do respeito. O outro é pelo Sabato fazer tudo o que faz, por ter abrigado todos eles e cuidar deles.

Como foi a estada dele aqui no Brasil, este ano?
Ele veio no mês da Consciência Negra para várias atividades em Campinas e uma apresentação em São Paulo, como forma de fazer debates, apresentar toda a problemática dele. Ele foi palestrante de um seminário e ficou 17 dias.

O que ele achou do Brasil? Ele teceu comparações?
Foi a primeira vez que ele entrou em um país que não fosse devastado por guerras. Ele chegou a ir para a Costa do Marfim, Serra Leoa, alguns países conflituosos. Quanto ao Brasil, ele não aceita comparação, nem se for relacionada à violência, nem se for pela pobreza. Chegamos a fazer inclusive umas visitas com ele, na (favela de) Paraisópolis, e ele entrou em algumas casas. Ele disse: ‘olha, Vinícius, aqui eles são pobres, mas têm energia elétrica, água, internet, televisão. Se eles fossem os pobres da Libéria, morreriam na primeira semana’. Não tem uma comparação. A maior parte das pessoas de lá perdeu algum parente na guerra, viu alguém ser assassinado. É uma realidade muito oposta. Eu consegui ver também um pouco do desconhecimento deles. O uso do cartão de crédito é algo que não existe lá. Quando a gente foi andar de metrô, ele disse ‘olha o trem’. Eu falei: ‘não, é o subway, underground, metro’. Mas para ele, era o trem. Isso mostra o conhecimento de mundo deles.

Quanto custa o projeto: R$ 337.199,55
Quanto já foi arrecadado: R$ 11.892,07
Como contribuir: comprando o DVD, camiseta e caneta do projeto no site www.bambooschooldoc.com ou fazendo qualquer doação via conta corrente.
Contato: viniciuszanotti@gmail.com



Foto e vídeo: Luciana Quierati

Um comentário:

  1. Maceió,16 de maio de 2014


    Senhores(as)

    É meritória a ajuda deste brasileiro.Mas pela ausência de comentários,você já percebe a mentalidade da maioria do povo brasileiro,que eu não me orgulho de fazer parte.

    Adriel Batista Correia de Melo

    PS:Pelo visto a Libéria está totalmente destruida.Levará 30 anos
    para ser reconstruida.

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