quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A merendeira que perdeu o emprego por ajudar os pobres

Tia Lúcia em sua asa, na rua 12 do Residencial Centenário, em Bebedouro-SP.

Ela assim justifica e muita gente na cidade acredita na mesma versão, apesar de esta não ter sido dada oficialmente como a causa do ocorrido. Ela é Maria Lúcia dos Reis, mais conhecida por tia Lúcia, de 64 anos; o ocorrido, sua demissão do cargo de auxiliar de serviços gerais da prefeitura de Bebedouro, no interior de São Paulo, enquanto trabalhava numa escola; e a versão mais aceita, a de que o fato de tia Lúcia dar as sobras de sopa da escola para famílias carentes, quebrando assim as regras da administração, levou a sua demissão por justa causa em 2000.

O emprego veio a faltar, mas a vontade de ajudar continuou latente em tia Lúcia, que havia trabalhado na colheita de laranja antes de ser contratada pelo município, em 1988. Por três vezes tentou entrar para a política. Queria poder legislar por quem mais precisa e ter uma remuneração maior que atual, para contribuir mais do próprio bolso, diz ela.

“Eu arrumei a cama, mas a mulher não tem R$ 20 para o carreto. Então, vou esperar eu receber um dinheiro (pagamento de salário) para poder mandar lá para ela”, diz tia Lúcia se referindo a uma cama conseguida como doação para uma família do Jardim Santa Terezinha que estava dormindo no chão, em novembro, quando desta entrevista. “Eu descubro tudo quanto é gente que está precisando”, diz a aposentada, que mora há 20 anos no Residencial Centenário, do outro lado da cidade.

Tia Lúcia com cama para doação a família carente.

Como ela não quer mais saber de política – fez promessa de que não se candidataria mais se Deus afastasse dela o diagnóstico de um câncer -, resta apenas continuar a fazer da forma de sempre. Doadores não faltam. Talvez porque já perceberam que ela não desiste fácil de pedir e que, se quisesse usar isso em benefício próprio, nesses 13 anos de atuação, já o terei feito, a começar dando um “tapa” em sua casa mal-acabada, a de número 591 da antiga Rua 12.

Piso de cerâmica tem na cozinha, mas nos demais cômodos é piso de concreto pintado de azulão. Até a caixa d’água dá para ser vista a partir do sofá da sala. Ela está sob o telhado, mas não há laje nem forro para escondê-la.

Mesmo assim, simples, a casa está sempre cheia de amigos. “Meu marido me largou por causa disso. Ele queria descansar durante o dia e sempre tinha gente aqui em casa. Se cansou”, diz. E as amigas são muitas e frequentes, porque tia Lúcia vende lingerie, pão de queijo e artesanato, e quando não consegue ir até as clientes, estas vêm até ela. Mesmo no seu horário de soneca, já que há dois anos tem trabalhado de noite e madrugada cuidando de uma senhora de 93 anos que já sai da cama.

Tia Lúcia realiza festa todos fim de ano para a criançada.

Apesar de todas suas ações em favor das pessoas, uma festa de Natal, realizada já há 11 anos, é que a torna mais conhecida na cidade. É destinada às crianças do bairro, com direito a bolo de cinco metros de comprimento e presença do ‘bom velhinho’. “Sou discriminada lá na igreja porque faço as festas e levo Papei Noel. Eles não gostam, mas eu não ligo!”, diz Tia Lúcia, que é evangélica. Ela frequenta a igreja, usa vestidos longos e cabelos em coque, como é comum às irmãs de sua religião, mas acredita que a alegria das crianças vem antes de qualquer regra convencionada pelo homem.

Para seus “sobrinhos”, tia Lúcia não nega nada, mesmo que eles sejam de famílias que não se esforcem por melhorar de vida. “Não ajudo qualquer um, não. Se é vagabundo, não ajudo. Vou até a casa pra ver. Mas as crianças sempre ganham alguma coisa, porque não têm culpa, né?”, argumenta.

Apesar de contar com a ajuda de muitos colaboradores, que fazem doações, ela organiza tudo sozinha. Ao mesmo tempo em que corre atrás de quem doe sorvete e pão para o cachorro-quente, compra açúcar e já pensa no dinheiro que terá que separar do 13º salário para pagar o rapaz que fará o algodão-doce. “Eu dou o açúcar, pago R$ 50 e ele vai lá com o carrinho fazer o algodão. Todo ano é assim.” O mesmo acontece com o pipoqueiro.

A festa é para crianças de zero a 12 anos, com prioridade para as mais carentes – apesar de ninguém ser barrado na porta. Ela mesma passa de porta em porta convidando.

Fotos: Luciana Quierati

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