A agência de relacionamento de Cícero Alves, no Ceará. |
Em Lagoa dos Paulinos, povoado do município de
Salitre-CE, o Facebook de Mark Zuckerberg é praticamente um desconhecido. Depois
das festas, as fotos cheias de pose não pipocam pela rede. Nem dá para “cubar” (fuçar
e descobrir, na gíria nordestina), de forma anônima a partir de um computador, se
a moça bonita é solteira ou comprometida, quantos anos ela tem e o que gosta de
fazer nas horas livres. Mas desembolsando apenas R$ 10 é possível não só
escarafunchar a vida da pessoa, como conseguir um encontro com ela para uma
conversa no maior estilo do extinto “Em Nome do Amor”, de Silvio Santos, ou do “Vai
dar Namoro”, de Rodrigo Faro.
No distrito que fica a aproximadamente 140 km de
Crato, terra natal do padre mais famoso do Brasil, outro Cícero, o Alves,
autoproclamado Digníssimo, criou a Agência de Relacionamento Correio do Amor.
Da inauguração, em agosto do ano passado, até o dia denta entrevista, em
janeiro, no caderno dos cadastros somente o dele estava estampado, para servir
de modelo para os futuros clientes, que haviam de se achegar. “Eu acho que um
dia pode dar certo”, diz Cícero Alves, em cuja mesa de trabalho existe um aparelho
telefônico fixo sem linha, que um dia, quando passar a funcionar, o ajudará no
contato com cliente e seus pretendentes. “(A agência) ainda não tem telefone,
mas vai ter”, promete.
No perfil de referência, Cícero se apresenta como
um homem de 32 anos “totalmente verdadeiro”, que procura mulher rica,
carinhosa, bonita, fiel e filha única. Mas que fique claro: são todos quesitos
de preferência, não se trata de exigência.
Cícero Alves e seu perfil, na agência. |
Fazendo jus ao adjetivo que o define, Cícero diz com naturalidade querer uma companheira que seja ao mesmo tempo sua empresária. “Tenho muitos sonhos, acima até da normalidade, e quero alguém para realizar meus sonhos com o dinheiro dela, em benefício dela também”.
Não é golpe do baú. Apenas uma troca, que não poderia se concretizar escolhendo ele uma mulher de
poucos recursos. “Se eu falar que quero uma simplesinha, não é do meu gosto.
Até poderia ser, mas não tenho condições de sustentar”.
Sobre a opção por filha única, Cícero argumenta que
é para fugir do risco que as cunhadas podem oferecer. “Esbarra na questão da
fidelidade. Às vezes acontece de eu me interessar por ela e ela por mim”, explica.
É melhor evitar a tentação.
A agência toma conta do tempo de Cícero. Tirando o
dia em que ele tem que ir a Salitre para receber o beneficio do INSS – é
aposentado por invalidez devido a uma deficiência visual -, em mais nenhum
outro a jornada escapa das 12 horas. Almoça rapidinho na casa da mãe, a 200
metros da agência, e, não raro, passa a noite no local de trabalho, pensando e
repensando estratégias.
Quando veicula anúncio na rádio, algum ou outro põe
as caras na porta e pergunta como funciona o esquema. Mas o convite à inscrição
é sempre respondido com um “deixa alguém se inscrever primeiro que então eu
venho”.
Cícero diz que o problema dos solteiros da região
não é a timidez, mas a ineficácia das cantadas, muito fracas. O “pode ser ou tá
difícil”, segundo ele, ainda reina por lá. “Em vez de aproximar, a pessoa só
afasta a moça”, diz ele com conhecimento de causa. Há muitos anos é o
intermediador dos casais interessados em relacionamento sério, mas sem jeito
para iniciar um contato. Comunicador, cantador de bingo, sempre foi procurado
para entregar recadinhos apaixonados, a começar por um tio, que gostava de uma
morena, mas não sabia como agilizar o processo. Hoje, tio Francisco é casado
com a amada e tem uma porção de filhos. “Levou um tempo, mas a intermediação
deu certo”, conta.
Assim que a agência engrenar, Cícero pretende
colocar em prática outro projeto: construir a Casa Sagrada de Gratificação do
Digno, para receber os adeptos (que ainda estão por vir) da religião que ele criou,
a Prática do Bem. O dinheiro para as obras virá de atos como o casamento que
ele quer oferecer para os casais que se formarem a partir da Correio do Amor.
“Quero unir as pessoas e acredito que tenho essa
graça de estar abençoando os casais”, diz. Bênção que estaria também disponível
a casais já unidos, especialmente os amancebados, ditos pelo povo “amaldiçoados”
e condenados a se transformarem em animais por não viverem uma relação tutelada
pelo catolicismo. “Minha bênção é uma proteção. Não quero que mais ninguém vire
bicho”.
Um dos nove irmãos de Cícero, na ausência deste, se
atreveu classificar o negócio como uma furada. Talvez os moradores de Lagoa dos
Paulinos, povoado que possui menos de uma dezena de ruas e umas 50 casas, compartilhem da mesma opinião, já que ninguém, até janeiro, pelo
menos, ainda havia se atrevido a investir os R$ 10 pelo serviço do rapaz. E
Cícero, mesmo que aparentemente desconfiando do descrédito que lhe é atribuído,
só quer é saber de seguir adiante com seu empreendimento, num entusiasmo de
fazer inveja a muito empresário de sucesso.
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