Reencontrei seu Carlos, o meu vizinho da Araújo com a Consolação, na mesma esquina, agorinha. Mas ele estava só de passagem. Voltou a dormir na calçada do Teatro Cultura Artística por força das circunstâncias. E as circunstâncias foram as seguintes:
- no começo da semana, 2h da madrugada, a Guarda Metropolitana levou seu sono embora. “Acorda cidadão”, disseram;
- o motivo para tal perturbação do sossego foi a de sua retirada do local. “Aqui é muito visível. O senhor tem que procurar um lugar mais escondido”, disse um dos guardas;
- outro, querendo esclarecer, comentou que até ‘satélite’ capta a imagem do seu Carlos dormindo e a retransmite para todo o mundo;
- um terceiro, tentando ser mais simples, explicou que alguém denunciou seu Carlos por dormir naquele lugar.
O crime do seu Carlos: dormir na calçada da Araújo com a Consolação. 'Acusado' justamente na semana em que ele foi tão bom cidadão:
- amparou uma moça, moradora de rua, que havia sido agredida pelo namorado, também morador de rua;
- e dividiu o marmitex de feijoada ganhada com um desconhecido que do outro lado da rua o via comer, com os olhos marejados de tanto desejo.
Seu Carlos teve que se arrumar rápido, porque os guardas não arredariam o pé da esquina enquanto ele dali não saísse. Nem calçou os sapatos. Só queria sumir dali. E foi a pé para o Largo do Paissandu, terminar a noite em meio a uns maloqueiros, como ele chamar os moradores de rua mal-intencionados. No dia seguinte, voltou a dormir na calçada do teatro, em obras após o incêndio de anos atrás.
Diante dessas circunstâncias, então, seu Carlos já não é mais tão meu vizinho e não o verei mais diariamente, nem ouvirei seu “boa noite, vai com Deus”. Nem nossos curtos diálogos poderão mais ser captados pelos satélites indiscretos que gostam de ficar flagrando os cidadãos por aí, especialmente os que não têm onde morar.
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