segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Amparados pelo barracão da sopa

Dona Aparecida e suas netas esperam ônibus para voltar para casa.

Dona Aparecida Vieira Pires tem 70 anos. É uma das 22,2 mil mulheres que moram na zona rural de Ibiúna – no município, a 72 km de São Paulo, quase a metade da população vive no campo. E assim como quase 20% dos ibiunenses, segundo dados de 2003 do IBGE, ela vive na linha da pobreza.


Tendo como fonte de sustento apenas a renda da aposentadoria, dona Aparecida mora no bairro do Capim Azedo, de onde nasce o rio Una, que deu origem ao nome da cidade. Foi lá que criou os nove filhos e onde vai nascer o próximo neto - ou neta. Ela só vai saber o sexo no dia do nascimento. A criança será dada à luz em uma casa simples e a encherá de alegria, para compensar a dor que dona Aparecida teve quando soube que a filha de 41 anos, portadora de deficiência mental, havia sido vítima do abuso de dois vizinhos.


"Já me disseram para eu dar a criança, mas eu não dou não. Eu vou criar", estabeleceu a aposentada. O bebê se juntará aos outros netinhos na casa, entre eles Maria Madalena, cuja mãe – nora de dona Aparecida – deixou marido e outros três pequenos para ir viver no mundo.

No dia em que foi feita essa reportagem, dona Aparecida esteve com Maria Madalena e outra neta, Beatriz, no barracão da Estrada do Feital onde todo domingo servem uma sopa reforçada. Depois de dar entrevista, ficou me espreitando pela cerca de arame, na espera de uma possível carona naquele dia ensolarado. Só me dei conta disso no meio do caminho de volta para casa, ao encontrar as três no ponto do ônibus, à beira da estrada.


"Fiquei olhando para ver se você dava uma carona, mas você entrou lá pelo sítio com os outros", disse ela, se referindo às pessoas que servem a sopa e que, após a distribuição, se recolhem para o interior do sítio onde fica o barracão.
"Que horas passa o ônibus da senhora?", perguntei.
"Ele vem às 2h."
"Mas agora são 12h30!", disse.
"Eu ia até o fim da estrada pegar um ônibus que passa mais rápido, mas meu joelho não permite", disse a mulher sem jeito, ouvida atentamente pelas netas sempre quietas.


Eu, estando de moto, pouco pude fazer. E dona Aparecida ali ficou em meio à poeira, a esperar o primeiro dos dois ônibus que tomaria para chegar ao Capim, empunhando os dois baldes de sopa de macarrão com frango recebidos no barracão.


Pobre, sem instrução, vítima do descaso das autoridades e da maldade dos próprios vizinhos, dona Aparecida exemplifica bem o perfil das pessoas atendidas pela Associação Amigos do Barracão. Assim como todos os outros cadastrados no projeto, ela ganha sopa todo domingo, recebe presente no Dia das Mães, vê os netos contentes ao ganharem roupas e brinquedos no Dia das Crianças e já teve garantido o enxoval do bebê prestes a nascer.


O barracão, na zona rural de Ibiúna, a 80 km de São Paulo.
A associação foi criada 16 anos atrás quando Carlos Roberto Barussi, 40, que mora na capital paulista, comprou um sítio na Feital. Levava os amigos nos finais de semana para o tradicional churrasco, mas se incomodava em ver tanta gente carente no entorno. "Por que você não distribui uma sopa no barracão?", alguém questionou o representante comercial. E, assim, a antiga olaria, nos fundos do sítio, se tornou o barracão da sopa.


Os amigos do churrasco se tornaram os Amigos do Barracão e desde então cada um se esforça como pode, fazendo eventos ou tirando do próprio bolso, para garantir a refeição do domingo das famílias beneficiadas. A sopa é preparada por eles próprios numa cozinha industrial que foi montada no local. Também se incumbem de realizar festas comemorativas ao longo do ano, além de cesta básica no Natal e material escolar no começo de cada ano.


Mas a função assistencialista já não mais agrada os fundadores da associação, que conseguiram transformá-la em uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) – título concedido pelo governo – e agora querem desenvolver projetos profissionalizantes, que fomentem a geração de renda na comunidade. "A maioria das pessoas trabalha na roça, mas não há trabalho para todo mundo", constata Barussi.


O grupo já até conseguiu doação de máquinas de costura e espaço também tem. Falta agora estruturar um projeto, contar com o envolvimento da comunidade e começar a garantir um futuro diferente para os ibiunenses frequentadores do barracão. "Vou ficar mais feliz o dia que a gente ver que a sopa já não é mais necessária. Por isso pensamos nesse trabalho profissionalizante, que é a alavanca para tirá-los dessa condição", sonha a mulher de Carlos, Simone Lopes, que é fonoaudióloga e preside a associação.


Simone Lopes, a presidente da ONG Amigos do Barracão.

Como posso ajudar?
- aderindo ao grupo como voluntário;
- doando roupas, cobertores, cestas básicas, material escolar e ingredientes para a sopa;
- efetuando depósito de qualquer quantia em conta bancária fornecida no site da associação.


Onde fica o barracão?
Na Estrada do Feital, s/nº, Bairro do Murundu, Ibiúna-SP


Quando é servida a sopa?
Todos os domingos, entre 10h30 e 12h


Mais informações
Pelo site e pelo e-mail amigos@amigosdobarracao.com.br.



Fotos e vídeo: Luciana Quierati

4 comentários:

  1. Fico feliz em ver que o projeto Voluntários do Barracão pode ser mais difundido, para inspirar outras ações semelhantes! Berenice de Lara

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  2. Parabéns ao casal Carlos / Simone e a todos que colaboram com o projeto do Barracão. É de pessoas como vcs que precisamos... prá ter um país menos sofrido !...

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  3. Olá Pessoas Iluminadas... ficou linda a matéria... parabéns ao blog pela iniciativa...Aos amigos queridos do Barracão...DEUS A CADA DIA ABENÇOE E DÊ A TODOS FORÇA.. CORAGEM... FÉ... E ESPERANÇA...BEIJOS

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  4. Parabéns ao casal Carlos e Simone, e todos envolvidos neste trabalho, linda matéria!!!
    Deus abençoe.

    Tatiana Lopes

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